Em setembro de 2019 me deparei com a possibilidade de um furacão devastar a cidade onde eu morava. Uma situação totalmente inusitada para a minha realidade até então. Não sou uma pessoa apavorada ou que tem medo de tudo, pelo contrário, preciso ver as coisas mais concretas na minha frente para que a minha emoção se manifeste. Foi o que aconteceu em setembro de 2019.

Eu estava fazendo um intercâmbio nos Estados Unidos com a minha família, meu marido e meus filhos – uma menina com 10 e um menino com 16 anos. Eu passava a maior parte do tempo com as crianças, meu marido precisava voltar ao Brasil em alguns momentos em função do trabalho. Minha rotina era intensa já que estávamos todos estudando com horários fixos e eu fazia todo o trabalho da casa.

Furacões são bem comuns na Região da Flórida onde eu estava, mas não tanto assim na cidade de Orlando. Lá os canais de televisão fornecem muitas informações diariamente sobre o clima e no período dos furacões e tornados é massiva a quantidade de notícias sobre o assunto. Desde julho quando cheguei já havia informações sobre a formação do Dorian, porém como era comum naquele contexto e o perigo em Orlando não era grande não dei muita atenção.

O mês de setembro foi se aproximando e no final de agosto o assunto começou a fazer parte das minhas aulas na escola onde eu estudava. Comecei a achar muito estranho, Começou com aulas sobre desastres naturais, como e porque se formam os furacões, até que um dia começamos a receber orientações sobre o que fazer para se proteger em casa ou para onde ir. As informações do clima apontavam que seria um furacão de categoria 4 (em uma escala que vais até 5) e pela direção que se apresentava nos mapas acertaria o centro de Orlando. 

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No noticiário, davam uma mensagem de que era necessário se proteger, mas não entrar em pânico. Na minha escola já via pessoas apavoradas estocando comidas, água, velas e lanternas. Este é o primeiro reflexo que vemos no supermercado lá, as prateleiras começam a ficar vazias literalmente. Para mim, que ainda pensava que não era tão grave foi um grande susto ver estas cenas. Comecei a me preparar para poder ajudar a minha filha pequena, que começou a ficar apavorada. O último furacão que atingiu o Sul da Flórida foi o Katrina, que tinha categoria 3 em 2005. Foi um dos mais destrutivos nos Estados Unidos.

Neste momento eu estava sozinha com as crianças, meu marido teve que ir para o Brasil dias antes destas informações. Comecei uma conversa internacomigo mesma de como conduziria esta situação com as crianças. Era uma situação nova para todos.

A maior dificuldade da situação era a impossibilidade de fazer um planejamento mais acurado. A direção dos furacões pode mudar a qualquer momento, então não adianta viajar para outro lugar com muita antecedência. A recomendação para ficar em casa era montar um KG em alguma peça da casa, de preferência sem janelas e no andar térreo, por conta das paredes de gesso do segundo piso que eram mais frágeis. A casa onde eu morava era cercada de janelas e janelões de vidro no primeiro piso, o que era um risco para ficarmos lá. Concluí que eu deveria sair da casa. Mas ir para onde? Entrar num carro com duas crianças e pegar uma estrada para um lugar desconhecido não era uma ideia que me motivava naquele momento.

Ao mesmo tempo meu marido no Brasil acompanhava cada passo no furacão e me dava novas informações tentando me tranquilizar. Mas diante de tudo que estava posto eu não tinha muito o que fazer, precisava esperar. Comecei então a trabalhar minhas emoções, mapear o que eu estava sentindo para que eu não passasse insegurança para meus filhos. Busquei investigar o que eles estavam sentindo. A pequena não tinha se dado conta do que poderia acontecer caso o furacão realmente chegasse lá e o meu filho estava incrédulo, achando que não iria acontecer nada, ou que não teria tanto impacto. De certa forma uma defesa para tudo o que estava acontecendo.

O que me trouxe um pouco de segurança foram as autoridades, governo do Estado e do Condado onde eu morava, trazendo informações constantemente sobre procedimentos de segurança e o que fazer. Algumas orientações que nunca tinha imaginado, como por exemplo encher de água as banheiras e máquinas de lavar, além de baldes e bacias, pois com os ventos fortes e chuva a luz é uma das primeiras coisas a faltar. Sem luz não seria possível usar a descarga dos vasos sanitários ou tomar banho, por isso a necessidade de coletar mais água. Comprar comida em lata, tentando balancear alimentos que trouxessem energia, ou até mesmo balas e doces. Deixar o carro abastecido, poderia ser um local com energia para carregar baterias ou sair de casa caso fosse necessário. Também buscar sacos de areia (disponibilizados pelo governo) para colocar nas portas, pois em lugares baixos poderia haver inundações. Juntar todos os documentos de identificação da família e apólices de seguro em uma pasta plástica vedada e deixá-la sempre junto a você. Enfim, havia um checklist completo sobre o que fazer.

Nas escolas a mesma coisa, todo dia tinham informações sobre como seria o tratamento com as crianças. Eles prezam muito pelos pequenos. Uma semana antes da previsão do furacão chegar em Orlando as aulas foram suspensas e não havia previsão de retorno, dependia da trajetória que o furacão faria. Ficamos os três em casa acompanhando as informações. Também não dava para ficar olhando muito a TV, pois tinham muitas previsões catastróficas que mais poluíam a mente do que ajudavam naquele momento.

A informação que tínhamos é que a definição da direção do furacão só seria mais confiável com 24 hs de antecedência da data e hora prevista para ele chegar. Dois dias antes cheguei a pensar em ir para um Resort, pois é um local, que tem salas subterrâneas protegidas e gerador de energia. Ao mesmo tempo teria atividades para as crianças. Meu marido queria que eu pegasse a estrada em direção a um sentido contrário, mas pelas notícias as estradas já estavam cheias, iríamos pegar um engarrafamento de 4 a 6 horas para chegar em um lugar que normalmente levaria 2hs. Passava na minha cabeça como ficaríamos nós dentro do carro horas a fio para um lugar que também não saberíamos se seria seguro. Imagens como esta de filme passavam pela minha cabeça.

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As notícias estavam muito incertas, algumas informações um pouco diferente de um instituto de pesquisa para o outro, mas o Furacão estaria perdendo a força e mudando um pouco a direção. Um amigo ligou perguntando se eu queria fazer uma reserva junto com sua família no Resort da Universal. Fiquei muito tentada, mas algo medizia que não iria acontecer nada grave, uma intuição. Decidi ficar em casa.

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Foi o melhor que eu fiz! O furacão foi desviando e perdeu um pouco de força, no dia e hora previstos para sua chegada em Orlando mal ouvimos a chuva cair, foi de madrugada. A sensação era de alívio. Mas quando acordamos e vi a situação em que ficou Bahamas, local mais atingido, foi que eu tive a real consciência do que poderia ter acontecido com a minha família.

Quando voltei para o Brasil, 01 de fevereiro de 2020 comecei a perceber os mesmos movimentos de quando havia chegado nos Estados Unidos, uma sensação de déjà-vu. Vi o desespero pairar sobre as pessoas. Notícias sobre o vírus Covid 19 chegavam a cada dia nos noticiários. No supermercado as prateleiras começaram a ficar vazias e em pouco tempo as medidas de segurança eram estabelecidas. O que eu havia aprendido seis meses atrás para me ajudar com o que estava acontecendo? Como eu poderia ajudar outras pessoas?

Fiz uma análise das semelhanças entre as duas situações e compartilho abaixo os aprendizados que eu tive com o Dorian e como eles podem ajudar você em relação a Pandemia que estamos vivendo neste momento.

4 Aprendizados para Adaptação a Novas realidades

Estabeleça uma conversa interna

Chamo de conversa interna o momento em que parei para entender melhor o que era realidade e o que era o meu medo ou a negação da realidade que estava vivendo. o Furacão, assim como o vírus são a realidade e não podemos menosprezar nem subestimar a existência deles. Para algumas pessoas entra em cena o mecanismo de defesa, que pode fazer não aceitar a realidade e não tomar nenhuma precaução, colocando-as em uma situação de risco; ou torná-la muito pior do que realmente é pensando que o mundo vai acabar e desencadear crises de ansiedade e pânico.

Veja os fatos como eles se apresentam e tente ficar isento da sua opinião a respeito, isso nos traz consciência e permite que possamos tomar alguma ação. Do contrário podemos até ficar paralisados e deixar de agir. Ajuda muito neste momento o seu autoconhecimento, pois a conversa interna ocorre com mais agilidade e as emoções indesejadas não vêm a tona. Depois que me conscientizei de que o furacão poderia realmente chegar na minha casa, segui as recomendações de segurança. Comprei lanternas, velas, baterias, comida e água. O mesmo fiz quando cheguei ao Brasil, comprando máscara e produtos de higiene.

  • Planeje mas viva um dia de cada vez

A partir do momento em que temos consciência da realidade conseguirmos estabelecer um plano com algumas alternativas, mesmo que o ambiente seja ambíguo, ainda sem respostas concretas. É importante conversar com quem está junto com você para que as alternativas contemplem a todos. No meu caso, eu conversava mais com o meu marido, mas também com as crianças e vivia um dia de cada vez, pois as informações poderiam mudar a qualquer momento.

Neste momento de Pandemia em que estamos em distanciamento social e não devemos sair de casa, as famílias estão em grande parte juntas. Aproveite este momento para conversar com todos. Muitas incertezas e inseguranças aparecem neste momento e falar sobre o que está acontecendo e o que as pessoas estão sentindo ajuda a desmistificar alguns fantasmas que possam surgir neste momento. A troca neste momento é fundamental, sempre tem um caminho ou alternativa que o outro aponta e que não tínhamos imaginado.

Além disso, o simples fato de falar e compartilhar emoções e sentimentos já ajuda a aliviar a tensão. Planeje, pelo menos, de um dia para o outro, isso vai fazer com que aos poucos se estabeleça um ritmo com novos hábitos e também vai colaborar para que os pensamentos negativos não invadam a sua mente. Manter a saúde mental é fundamental em situações como essa.

  • Passe um “scanner” nas suas emoções

Ter consiência da realidade não significa que você deixe de sentir emoções. As emoções são neutras, mas em determinados contextos podem nos alegrar e motivar ou nos entristecer e nos deixar para baixo.

Evitar as emoções que sentimos não nos ajuda, pois o fato de não darmos atenção a elas não faz com que desapareçam. O efeito será contrário, fará com que elas tomem conta de você inconscientemente. É melhor sabermos com clareza o que estamos sentindo, pois o que não é conhecido não é passível de administrarmos. Precisamos gerir nossas emoções para nos mantermos saudáveis e não deixar que elas tomem conta de nós.

Eu tive medo quando vi que o furacão poderia destruir a minha casa e angústia por não poder tomar nenhuma decisão de forma mais ágil. Mas foi este medo que me moveu a tomar ações. Também tenho medo do vírus, mas fico em casa o máximo que posso e sigo os procedimentos de higiene recomendados. Estabelecer uma rotina em casa me ajudou a lidar com as emoções que são mais desconfortáveis para mim. Estar em movimento ajuda a não nutrirmos pensamentos negativos e pode ainda criar novas oportunidades.

  • Ouça sua intuição

Não deixe de dar ouvidos a sua intuição. A palavra intuição vem do latim intueri, que significa considerar, ver interiormente ou contemplar. De acordo com a psicologia a mente intuitiva abre-se a respostas inovadoras e não dogmáticas, mas aprender a confiar na intuição é um grande desafio, pois o senso comum ainda considera a intuição um conhecimento de risco. Quanto mais estivermos maduros no processo do autoconhecimento e autoconfiança, mais podemos confiar na nossa intuição.

Quando decidi ficar em casa para esperar a passagem do furacão, tive um sentimento de que eu ficaria segura e isso me deixou muito tranquila. O mesmo acontece agora, a pandemia limitou a minha atividade profissional, mas a minha intuição me diz que se eu me mantiver em movimento eu vou encontrar um caminho diferente, novo e com mais oportunidades, então sigo produzindo, aprendendo e falando com as pessoas. Não é o momento de se enclausurar, mesmo que tenhamos que ficar em casa, pelo contrário. É o momento de abrir a mente, reconhecer a nossa capacidade e dar luz ao repertório que nos fez chegar até aqui. Dessa forma estaremos contribuindo para que a intuição passe a ser um aliado na tomada de decisão.

Esta vivência confirma a relevância do que venho estudando há alguns anos – competências comportamentais – e faz eu me apaixonar ainda mais pelo assunto. Quanto mais estivermos trabalhando as nossas competências comportamentais, também conhecidas como competências socioemocionais ou soft skills, mais estaremos preparados para novas realidades. São estas capacidades que descrevi acima que nos permitem encarar diferentes contextos e situações. São estas capacidades que serão necessárias para a retomada dos negócios, para reaprendermos a nos relacionar com as pessoas e novos ambiente.

Esta experiência te ajudou a pensar como lidar melhor com este momento? Então deixa o seu comentário e compartilha a sua experiência. Assim mais pessoas poderão ser ajudadas.

Alessandra Martinewski

Consultora especializada em Gestão de Competências, Desenvolvimento Comportamental e Estratégias em Recursos Humanos

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