Desde que o mundo entrou em crise em função da pandemia, várias empresas e pessoas têm falado e postado nas redes sociais uma expressão mais ou menos assim:

“O que te trouxe até aqui não te levará adiante”

Você concorda? Eu tenho as minhas dúvidas. De acordo com os fatos que estão ocorrendo e pesquisas que estão sendo disponibilizadas sobre o perfil de consumo e vida pós quarentena, certamente não viveremos da mesma forma como vivemos até março de 2020 no mundo todo.

A questão é que a expressão me remete a desconsiderar todo o conhecimento, experiência e esforço até aqui. Isto me deixa desconfortável. O que vejo sobre as mudanças são comportamentos e hábitos que já havíamos falado há tempos atrás que deveriam ser mudados e até o momento não tinham acontecido. O que a pandemia está fazendo é acelerar as mudanças tão faladas como necessárias, mas difíceis de acontecer na prática.

Um bom exemplo disso temos no filme “Um senhor estagiário”. O filme é de 2015 e fala de uma jovem empreendedora que é proprietária de uma empresa.com a pouco tempo. A empresa lança um programa para estagiários seniores e um deles, um senhor de 70 anos, foi alocado para atuar ao lado da jovem empresária. Até chegar neste ponto o filme já traz uma série de aprendizados sobre o que estão falando que deve acontecer após a pandemia, mas que já estavam acontecendo nesta empresa 5 anos atrás. Práticas de RH como vídeos currículos, uso intensivo de tecnologia, estrutura aberta e sem paredes onde todos podem se ver e comunicar-se diretamente (se bem que as pesquisas mostram que esta estrutura não melhora a comunicação entre as pessoas, veja no meu artigo – “Do you think the open workspace is a good contribution for greater interaction and collaboration?”.

Contudo o que mais chama atenção no filme é a importância de equilibrarmos experiência e maturidade com inovação e energia. Todo o conhecimento, experiência de vida e, principalmente as soft skills trazidas pelo senhor de 70 anos, são fundamentais para que a jovem empresária consiga caminhar em busca do seu propósito. Alguns podem pensar que isto ocorreu porque era um filme. Porém se observarmos uma pessoa com 60 ou 70 anos de idade que ao longo da vida se dedicou a aprender e crescer profissionalmente, e desenvolveu-se em termos de comportamento, poderemos pensar que estamos vendo este filme.

Fica transparente no filme a aplicação das dimensões da inteligência emocional autoconhecimento, autogestão, empatia e gestão dos relacionamentos. Em poucos dias um senhor conseguiu fazer com que a empresa colocasse em prática a colaboração, empatia, autocuidado, autoconfiança, comunicação assertiva e não violenta, entre tantos comportamentos falados hoje como novas soft skills que serão demandadas pós pandemia. Vejam bem, isto estava sendo colocado em prática há cinco anos.

Há cinco anos já vivíamos a “modernidade líquida” definida por Zygmunt Bauman em sua publicação de 1999, onde tudo muda rapidamente e nada é feito para durar, um mundo de incertezas. Neste mesmo período a empatia já era tão importante e imprescindível como hoje. Para colaborar, criar conexões e trabalhar em rede precisamos ser empáticos. Podemos dizer que a pandemia está nos impondo esta soft skill?

Acredito que a grande oportunidade que a situação que estamos vivenciando no mundo nos trouxe é a execução de comportamentos que estavam no plano teórico. Desta forma podemos dizer que o que nos levará adiante é a execução do discurso.

“Todos estamos conscientes de que os recursos planetários serão incapazes de sustentar a nossa filosofia e prática de crescimento econômico infinito e de crescimento infinito de consumo. Estamos conscientes – mas e daí? Há poucos sinais de que estamos caminhando para mudar, de própria vontade, as formas de vida que estão na origem destes problemas”

Zygmunt Bauman

A pandemia nos impôs as mudanças de comportamentos que já estavam sendo ensinados nas teorias de desenvolvimento humano e comportamental, em treinamentos e Universidades corporativas, nos programas de desenvolvimento de lideranças e equipes.

Acredito em parte desta expressão, que me remete a pensar que além daquilo que aprendemos até aqui, de todo o repertório que nos fez chegar até aqui, teremos que continuar aprendendo. Não existe mais ex-aluno. A velocidade das mudanças provocadas pela tecnologia fazem com que tenhamos ciclos de mudanças em períodos mais curtos. Temos que errar rápido para poder corrigir e aplicar os novos aprendizados.

Como disse Paulo Kakinoff, presidente da Gol em uma entrevista para a CNN Brasil “não existe especialista em coisa inédita”. O futuro é inédito e desconhecido para todos. O que sabemos agora também é uma teoria, com a diferença que vem sendo colocado em prática numa metodologia de tentativa e erro com correção mais ágil de rota.

A grande transformação que nos levará adiante é a que podemos fazer a partir de cada um. Ela ocorrerá com a aplicação de soft skills por todos nós, sejamos empregados ou empregadores, líderes ou parte da equipe, governo ou cidadão.

Então mãos à obra! Vamos aprender o que a realidade está nos impondo e vamos aproveitar tudo aquilo que já vivemos até aqui. E não vamos esquecer que o grande diferencial que pode nos levar para um mundo melhor é a execução, afinal:

              “O que nos levará adiante é a execução dos discursos”

Deixo aqui 3 pontos que considero fundamentais para nos levar adiante:

  • Praticar a Autogestão

Esta é uma dimensão da inteligência emocional que se desdobra nas competências: gestão das emoções, adaptabilidade, realização e otimismo. Contudo só temos condições de colocá-las em prática quando conhecemos os gatilhos emocionais que nos fazem agir ou nos paralisar. Portanto reflita sobre você, conheça suas emoções para que seja possível fazer a gestão de você mesmo. Busque os recursos internos que farão com que você encare as mudanças como fonte de criação de uma nova realidade.

  • Praticar a Empatia

Entenda os outros sob o ponto de vista deles. Para que isto ocorra é necessário ouvir genuinamente o outro, ou seja sem julgamentos. Três comportamentos são comuns entre pessoas que dizem que a praticam: aconselhar, consolar e competir (ouve algumas palavras, mas acaba falando das situações semelhantes que viveu e como fez, e acaba roubando a cena). Nenhum destes comportamentos são empáticos.

Quando alguém compartilha alguma situação ou até mesmo um sentimento não faz isto para sentirmos pena, então não precisa de consolo. Em grande parte das vezes, sabe o que precisa fazer para resolver algum problema, mas talvez alguma questão emocional não resolvida o está impedindo, então um conselho não resolverá. Falar no lugar de ouvir, por certo que não é empático. Portanto o ouvir genuíno é o ponto principal da empatia. O simples fato de poder falar com alguém com segurança de que não será ridicularizado ou criticado faz que que ocorra uma conversa interna com as questões racionais e emocionais de cada um e surjam insights. Isso deve ocorrer em todos os ambientes que circulamos, empresarial, familiar e entre amigos.

  • Praticar a Gestão dos Relacionamentos

A capacidade de nos relacionarmos com distintas gerações, opiniões, personalidades, enfim com tudo que for diferente de nós mesmos será um grande diferencial para criarmos uma nova realidade.

A comunicação assertiva e não violenta é fundamental para o cultivo dos relacionamentos. Requer uma mudança de foco – dos nossos erros e do erro dos outros para a necessidade de todos. Devemos nos basear em fatos e não em rótulos, pois os fatos trazem mais credibilidade aos argumentos.

Outro aspecto importante é que não precisamos falar tudo o que pensamos. Pensar antes de falar é uma boa estratégia, pode evitar conflitos desnecessários. Reflita se o que você tem para falar vai contribuir com a outra pessoa, com a sua aprendizagem e desenvolvimento. Acima de tudo, veja se contribui com o seu propósito em relação a outra pessoa. Isto também se aplica em nossa vida pessoal e profissional.

Combinado então, vamos partir para a execução!

Alessandra Martinewski

Consultora especializada em Gestão de Competências, Desenvolvimento Comportamental, Coach Emocional e Estratégias em Recursos Humanos

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